De acordo com Arthur Schopenhauer somos todos manipulados pelo desejo, que nos impele ao sofrimento. E não é que os jogos do Kirby tem a ver com isso?
Kirby é, sem dúvida alguma, um dos personagens mais queridos da
Nintendo. Presente em todos os consoles da Big N desde 1992, o bolota
rosa já protagonizou muitos momentos memoráveis, a maioria deles de
grande sucesso. Apesar da aparência infantil que remete à uma
experiência casual, alguns títulos da série são desafiadores e
apresentam dramas bem desenvolvidos. Além disso, Kirby estrelou uma
série animada (Right Back at Ya!) e um mangá, sendo que este nunca foi
publicado fora do Japão. Nesses diferentes produtos, ele enfrenta
situações e inimigos distintos, e as histórias nem sempre se entrelaçam,
criando uma narrativa pouco linear para o nosso herói. Ainda assim,
vejo um traço comum na representação de Kirby e de tudo que cerca o seu
mundo, e acredito ser possível estabelecer uma relação entre esse
universo e a filosofia de Arthur Schopenhauer.
A Vontade que nos guia
Arthur Schopenhauer (1788 - 1860) foi um filósofo alemão, do período que
hoje denominamos como Romantismo. Tendo vivido em um momento histórico
conturbado, especialmente na Europa (Schopenhauer nasceu um ano antes da
Revolução Francesa), o autor de O Mundo como Vontade e como
Representação apostava na ideia de que a condição natural da existência é
a dor. Inspirado pelas filosofias hindus, mas produzindo uma filosofia
antirreligiosa, Schopenhauer considerava que o mecanismo básico da vida é
o instinto de autopreservação, a necessidade de sobrevivência. Assim,
para ele, cada ser vivo age em busca de meios para a realização dos
próprios desejos e da própria satisfação. No entanto, quando o ímpeto de
um entra em confronto com o dos outros, o resultado evidente é um
embate que desencadeia angústia e sofrimento.
Schopenhauer acreditava que o mecanismo mais adequado para alcançar a melhor vida possível era o controle do desejo, a negação da Vontade. O uso desse termo é encarado aqui como uma representação metafísica da presença dessa força cega e brutal que move a vida em sua tentativa de encontrar a satisfação. Quando queremos algo, quando sentimos fome, raiva ou qualquer outro sentimento ou desejo, é a Vontade que age em primeiro lugar, e não nós mesmos.
A filosofia de Schopenhauer, como é possível destacar a partir das ideias apontadas anteriormente, é irracionalista. Diante do otimismo advindo do Iluminismo, Schopenhauer adotava o pessimismo (ou realismo prático, se quisermos utilizar um termo menos pejorativo), justamente por considerar que o nosso embate contra a condição egoísta da existência deveria ser constante, permanente. Mas não sem solução.
No entanto, como as narrativas que compõem o universo de Kirby (nos jogos, anime e mangá), se aproximam desse conjunto de ideias? Bem, eu acho que a principal conexão é justamente na percepção do desejo como um ímpeto inevitável, e quase indestrutível.
Schopenhauer acreditava que o mecanismo mais adequado para alcançar a melhor vida possível era o controle do desejo, a negação da Vontade. O uso desse termo é encarado aqui como uma representação metafísica da presença dessa força cega e brutal que move a vida em sua tentativa de encontrar a satisfação. Quando queremos algo, quando sentimos fome, raiva ou qualquer outro sentimento ou desejo, é a Vontade que age em primeiro lugar, e não nós mesmos.
A filosofia de Schopenhauer, como é possível destacar a partir das ideias apontadas anteriormente, é irracionalista. Diante do otimismo advindo do Iluminismo, Schopenhauer adotava o pessimismo (ou realismo prático, se quisermos utilizar um termo menos pejorativo), justamente por considerar que o nosso embate contra a condição egoísta da existência deveria ser constante, permanente. Mas não sem solução.
No entanto, como as narrativas que compõem o universo de Kirby (nos jogos, anime e mangá), se aproximam desse conjunto de ideias? Bem, eu acho que a principal conexão é justamente na percepção do desejo como um ímpeto inevitável, e quase indestrutível.
O pêndulo da existência
Como disse anteriormente, não existe uma linearidade definida dentro da
narrativa construída para Kirby. Vamos tomar aqui como exemplo dois
produtos específicos, o anime e o jogo Kirby’s Return to DreamLand
(Wii), com alguns spoilers, importante dizer. No anime, Kirby é o
guerreiro estelar que, de acordo com uma profecia, chega em uma nave a
um novo planeta para salvar os habitantes de Cappy Town. Nesse lugar, o
grande vilão é King Dedede, um tirano que procura submeter o povo aos
seus caprichos e encontra no alienígena rosa um empecilho para seus
planos.
Já em Return to DreamLand, Kirby, King Dedede e Meta Knight são surpreendidos com a chegada de Magolor, um alienígena que chega em Dream Land com uma nave avariada e conta com a ajuda do nosso protagonista e seus amigos para recuperar seu meio de transporte. No entanto, sua intenção era bem diferente. Magolor tinha um plano de dominação do universo e precisava do auxílio de Kirby para realizar tarefas que seriam antes impossíveis. A virada dentro do jogo apresenta uma guinada na aventura e nos encaminha para a conclusão da história. Nos dois casos (e esse padrão é quase o mesmo em quase todos os títulos da série), a motivação que está em primeiro plano é a necessidade de realização dos próprios interesses. Sim, é verdade que isso se aplica a praticamente tudo, e não é uma exclusividade das histórias deste personagem.
No caso de Kirby, no entanto, é significativa a representação do próprio herói como alguém que absorve tudo o que encontra pela frente, comida, armas, inimigos, absolutamente tudo. No primeiros episódios do anime, por exemplo, essa questão é tratada com ambiguidade: será que ele é um herói mesmo, ou um monstro? Por que ele age assim? Por que ele possui esse impulso quase incontrolável? Com o tempo, Kirby aprende que precisa lutar contra esse instinto. Mas a luta é quase sempre injusta, porque o desejo continua gerando tormento e agonia.
E é assim com todos nós. Por isso a intuição de Schopenhauer é tão óbvia e facilmente identificável. Cada um acredita que aquilo que busca garante a realização de sua felicidade, e a preocupação com as consequências é pouco relevante. Schopenhauer escreveu que a vida é como um pêndulo em que passamos do tédio para a dor. Quando desejamos algo, temos dois caminhos: a realização ou a não realização. Se o desejo é realizado, sentimos prazer e felicidade. Mas logo estes se transformam em tédio, e a consequência é o surgimento de um novo interesse. Mas se não realizamos o ímpeto inicial, sentimos dor, e a sensação de que seríamos eternamente felizes no caso de ter o que queríamos.
Já em Return to DreamLand, Kirby, King Dedede e Meta Knight são surpreendidos com a chegada de Magolor, um alienígena que chega em Dream Land com uma nave avariada e conta com a ajuda do nosso protagonista e seus amigos para recuperar seu meio de transporte. No entanto, sua intenção era bem diferente. Magolor tinha um plano de dominação do universo e precisava do auxílio de Kirby para realizar tarefas que seriam antes impossíveis. A virada dentro do jogo apresenta uma guinada na aventura e nos encaminha para a conclusão da história. Nos dois casos (e esse padrão é quase o mesmo em quase todos os títulos da série), a motivação que está em primeiro plano é a necessidade de realização dos próprios interesses. Sim, é verdade que isso se aplica a praticamente tudo, e não é uma exclusividade das histórias deste personagem.
No caso de Kirby, no entanto, é significativa a representação do próprio herói como alguém que absorve tudo o que encontra pela frente, comida, armas, inimigos, absolutamente tudo. No primeiros episódios do anime, por exemplo, essa questão é tratada com ambiguidade: será que ele é um herói mesmo, ou um monstro? Por que ele age assim? Por que ele possui esse impulso quase incontrolável? Com o tempo, Kirby aprende que precisa lutar contra esse instinto. Mas a luta é quase sempre injusta, porque o desejo continua gerando tormento e agonia.
E é assim com todos nós. Por isso a intuição de Schopenhauer é tão óbvia e facilmente identificável. Cada um acredita que aquilo que busca garante a realização de sua felicidade, e a preocupação com as consequências é pouco relevante. Schopenhauer escreveu que a vida é como um pêndulo em que passamos do tédio para a dor. Quando desejamos algo, temos dois caminhos: a realização ou a não realização. Se o desejo é realizado, sentimos prazer e felicidade. Mas logo estes se transformam em tédio, e a consequência é o surgimento de um novo interesse. Mas se não realizamos o ímpeto inicial, sentimos dor, e a sensação de que seríamos eternamente felizes no caso de ter o que queríamos.
Pense em alguém que quer muito um jogo, e acredita que se tiver esse
game, nunca mais vai querer nenhum outro. Se conseguir o que queria, o
sentimento inicial será de felicidade. Mas depois de algum tempo você
sabe o que vai acontecer: tédio, e o desejo por uma nova diversão. No
entanto, se nunca conseguir comprar aquele jogo, você duvida de que essa
pessoa acreditaria mesmo que só precisaria dele para ser eternamente
feliz?
Somos assim o tempo todo, e nos jogos de Kirby vemos esse reflexo em cada personagem, mas principalmente no nosso protagonista. Mais do que isso, Schopenhauer acreditava que o caminho para a superação da Vontade era a negação desta por meio da compaixão. É se doando pelos outros que cada um pode ajudar a tornar a existência mais suportável. E é esse um traço da personalidade de Kirby (e de muitas outras figuras heroicas, naturalmente).
Sei que a narrativa desses títulos não tem intenção de explorar a filosofia de Schopenhauer, mas a proposta dessa série de textos que aproximam a Nintendo e a Filosofia é mostrar como é possível encontrar traços de autores e correntes filosóficas em jogos diversos. Assim, esses textos podem ser um incentivo para você se aproximar dos games e dos filósofos apresentados.
Somos assim o tempo todo, e nos jogos de Kirby vemos esse reflexo em cada personagem, mas principalmente no nosso protagonista. Mais do que isso, Schopenhauer acreditava que o caminho para a superação da Vontade era a negação desta por meio da compaixão. É se doando pelos outros que cada um pode ajudar a tornar a existência mais suportável. E é esse um traço da personalidade de Kirby (e de muitas outras figuras heroicas, naturalmente).
Sei que a narrativa desses títulos não tem intenção de explorar a filosofia de Schopenhauer, mas a proposta dessa série de textos que aproximam a Nintendo e a Filosofia é mostrar como é possível encontrar traços de autores e correntes filosóficas em jogos diversos. Assim, esses textos podem ser um incentivo para você se aproximar dos games e dos filósofos apresentados.